Texto e poema por Samuel F. Pimenta
«Este poema é um aviso. Foi escrito em defesa de todas as terras e comunidades em risco com a exploração mineira e petrolífera, a produção agrícola massiva, a produção industrial e energética e o totalitarismo dos Estados. Foi escrito pela minha terra, Alcanhões, no Ribatejo, onde abateram oliveiras centenárias para poderem instalar uma central fotovoltaica que irá alimentar este sistema destrutivo em que vivemos (pois a energia não é “limpa” para todos, especialmente para as comunidades onde as centrais são instaladas); pela nossa costa Atlântica, ameaçada pela prospecção de combustíveis fósseis; pelo rios Tejo e Alviela e todos os rios fustigados pela poluição; pelas serras, terras e montes ameaçadas pela exploração de lítio no Minho, Beiras, Trás-os-Montes e Alentejo; pela Serra da Argemela, de onde querem extrair turquesas; pela Cova de Eirós e por Touro e O Pino, na Galiza, que estão em risco com a mineração. Pela Terra livre, soberana e sagrada. Sempre.»
MALDIÇÃO
Somos os espíritos da Terra
ancestrais totems elementos
somos curandeiros zeladores tormentos
somos chagas
somos cinza
do fogo que ardeu o sangue a carne e o osso
somos alma somos água somos ar
e vendaval
somos os que cantam o bem e o mal
gritos do profundo negrume em direcção à luz
somos terra e pó
a raiz das árvores e a chuva
somos nuvem somos fumo
a força das marés
e o abismo
somos o que jamais será domado por força humana
ainda que nos queiram aprisionar
somos as vozes que ninguém escuta
a do relâmpago do pássaro da onda
e sempre aqui estivemos a falar.
Somos quem traz morte e quem traz vida
somos palavra e profecia
somos o que é lei e mandamento
e o que é bênção e maldição
somos quem guarda os portais
do sagrado à podridão
e os que impedem a passagem
dos vampiros que o Zeca cantou.
E aos que ousarem passar por nós
como quem passa por ninguém
aqui deixamos o aviso:
não terão nenhuma sorte
não terão nenhum bem.
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